Somos natureza

A visão antropocêntrica não nasceu de repente. Mas foi a partir do Renascimento (séculos XIV a XVI) que essa ideia ganhou força. O humanismo colocou o homem como centro do universo. O famoso “Homem Vitruviano” (1490), de Leonardo da Vinci, é o retrato desse espírito.

Nos séculos seguintes, com a Revolução Científica (séculos XVI e XVII), o antropocentrismo se consolidou. Depois veio a Revolução Industrial (séculos XVIII e XIX): carvão, aço, máquinas a vapor, desmatamento. E a Revolução Tecnológica (século XX em diante): petróleo, eletricidade, química industrial. E mais desmatamento. O mundo virou recurso. A lógica, sempre a mesma: um modelo androcêntrico, especista e colonial, que acumula para poucos e destrói para todos.

Enquanto isso, os povos originários seguiam em outra direção.Partilhavam sementes, alimentos, histórias. Reconheciam a floresta, o rio, os animais como parentes. O pensamento selvagem, a biointeração, sustentava a vida em comum.

O filósofo originário e ambientalista indígena Ailton Krenak lembra:“O domínio da economia capitalista é predatório. A lógica do capitalismo é devorar o planeta.” E faz a virada de chave: precisamos compreender que somos Natureza. Não estamos acima de nenhum outro ser vivo.

Krenak diz:
“Trata-se de sentir a vida nos outros seres, numa árvore, numa montanha, num peixe, num pássaro, e se implicar. A presença dos outros seres não apenas se soma à paisagem do lugar que habito, como modifica o mundo. Para além de onde cada um de nós nasce – um sítio, uma aldeia, uma comunidade, uma cidade –, estamos todos num organismo maior que é a Terra. Por isso dizemos que somos filhos da Terra. Essa Mãe constitui a primeira camada, o útero da experiência da consciência, que não é aplicada nem utilitária. Não se trata de um manual de vida, mas de uma relação indissociável com a origem, com a memória da criação do mundo e com as histórias mais reconfortantes que cada cultura é capaz de produzir. As mitologias são vivas.”

Precisamos reorganizar a casa. Regenerar. Reparar. Curar os laços entre humanidade e natureza. Estamos lado a lado com a comunidade viva, em relação de interdependência com o planeta.

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