
É no vaivém dos rios e “falando com as águas como se namorassem” que as populações tradicionais aprendem a “pegar na voz de um peixe”. Esses povos que vivem às margens dos corpos d’água (na primeira, na segunda e, às vezes, até na terceira margem) conhecem a cheia e o tempo certo de cultivar suas roças de sequeiro, lameiro ou vazante.
São povos de muitos nomes: ribeirinhos, vazanteiros, pantaneiros, pescadores que se comunicam com os seres do fundo e também do alto, sabendo que o “fazedor de amanhecer” e de entardecer pinta os céus porque “fazem parte da beleza nos pássaros.”
Hoje, esses povos enfrentam, além da contaminação e do barramento das águas, a perda de seus modos de vida. Mesmo assim, seguem em movimentos que nascem das marés, para defender seus territórios e o direito de permanecer onde a vida corre: com os rios.
O açaí que moradores de cidades do mundo todo valorizam hoje vem de pequenas comunidades na Amazônia. O açaí, o guaraná, muitas castanhas, aromas e óleos essenciais nascem do trabalho e do saber desses povos das águas.
Mais de 3,5 milhões de ribeirinhos vivem às margens de rios, lagos e igarapés da floresta, guardando um conhecimento profundo sobre as águas e seus caminhos, as plantas, os bichos, os sons, os aromas, além da cultura oral amazônica e suas lendas.
A maioria dessas comunidades ainda não tem acesso a saneamento básico e vive até hoje com geradores a diesel, mesmo próximas a grandes hidrelétricas. O abandono público é tão grande que muitos vilarejos ribeirinhos continuam sem escolas de ensino médio ou postos de saúde. Não é raro que crianças façam trajetos longos de barco ou bicicleta até comunidades maiores para poder estudar a partir do ensino fundamental.
Crianças, jovens, adultos e idosos usam o rio como rua e também como fonte de alimento. Vivem da pesca artesanal, da caça, do roçado e do extrativismo florestal — em harmonia com o ritmo das águas e da floresta.
O Decreto nº 6.040/2007 instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, voltada às necessidades específicas dessas populações e ao fortalecimento de projetos que garantem a manutenção da floresta e de seus povos.
O poeta pantaneiro Manoel de Barros (1916-2014) escreveu:
“O rio que fazia uma volta
atrás da nossa casa
era a imagem de um vidro mole…
Passou um homem e disse:
Essa volta que o rio faz…
se chama enseada…
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro
que fazia uma volta atrás da casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.”