
Filósofos e linguistas explicam que só conseguimos compreender e descrever o mundo até onde a linguagem alcança. Damos nomes às coisas e assim abrimos espaço para que elas existam para nós. É nesse ponto que falamos da “cegueira botânica”, essa dificuldade de notar as plantas que não sabemos dar nome ao nosso redor.
Quanto mais espécies vamos conhecendo, mais a floresta deixa de ser massa e passa a revelar habitats distintos, comunidades, populações e diferentes formas de vida. E há sempre algo maior e algo menor, um entrelaçamento de dinâmicas entre plantas, insetos, fungos, solos e ciclos da água e de outros elementos. Quando o olhar ganha finura para perceber relações, enxergamos o sistema inteiro que pulsa.

Além disso, cada língua organiza a realidade de um jeito. E assim é também na floresta. Para os povos originários, cada folha, cada cheiro, cada sombra tem nome e sentido. Eles veem caminhos onde nós vemos apenas mato. Vivem de outra maneira o tempo e o espaço. É que suas línguas nomeiam relações, enquanto a tradição ocidental passou a nomear categorias. Desde Aristóteles e sua “escada da vida”, aprofundada depois pelos sistemas de classificação de Lineu, houve a separação dos humanos do restante da natureza. Vida organizada em hierarquias. Nesse processo, deixamos de reconhecer árvores e rios como parentes.
Krenak pergunta como reestabelecer o contato entre mundos que tiveram origem comum, mas se separaram tanto a ponto de termos, de um lado, quem precisa do rio e da floresta para viver e, de outro, quem os consome como recurso. Kopenawa aponta a lógica utilitarista do “homem-mercadoria”, e Nêgo Bispo mostra como esse afastamento produziu uma forma de ver o mundo que nomeia mais a posse que o pertencimento.
É justamente nesse ponto de reconexão que o pensamento de Ernst Götsch se insere. Seu olhar acompanha o tempo da floresta e devolve às relações ecológicas a centralidade que o Ocidente perdeu. Para ele, os seres vivos formam o instrumentário da Terra para realizar sua estratégia de ampliar vida e energia. Cada espécie aparece para cumprir sua função e contribuir para a qualidade de vida de todos os seres. Floresta é encontro tecido de relações.
