Ponto de não-retorno

O climatologista Dr. Antonio Donato Nobre aponta que ignorar o desmatamento e a restauração ecológica é o maior ponto cego da política climática global. Sem florestas vivas, o planeta perde seu próprio sistema de regulação climática. Como Nobre afirma, “mesmo que zerássemos completamente as emissões de carbono, a emergência climática persistiria sem uma restauração ecológica em larga escala.”

A ciência por trás desse alerta é direta. O CO₂ impulsiona o aquecimento de longo prazo, mas a destruição dos ecossistemas desencadeia um multiplicador imediato e muito mais perigoso: o colapso do ciclo oceano–atmosfera–continente, o verdadeiro ar-condicionado natural da Terra. Quando essa engrenagem quebra, o clima se torna brutalmente mais sensível ao CO₂. Por isso, Nobre reforça que as florestas precisam ser reconhecidas não como meros estoques de carbono, mas como reguladoras primárias do clima, fábricas de água doce e o alicerce físico que torna os continentes habitáveis (https://abre.ai/artigo-nobre).

Alertas científicos indicam que não podemos nos aproximar da faixa de 20% a 25% de destruição da floresta amazônica, limite associado ao possível ponto de não retorno. O problema é que estamos cada vez mais perto. Segundo o MapBiomas, nas últimas quatro décadas cerca de 50 milhões de hectares do bioma foram perdidos, quase toda essa perda recaindo sobre formações florestais. Hoje, 81,9% da vegetação nativa total permanece de pé (https://abre.ai/mapbiomas-desmatamento). Ora, se a ciência aponta que não podemos nos aproximar de 20% de destruição da floresta e já reduzimos o bioma a 81,9% de vegetação nativa, por que esse não foi o ponto-chave das negociações?

Como denunciou a coalizão global Kick Big Polluters Out, 302 lobistas do agronegócio tiveram livre acesso às negociações da COP30, um aumento de 71% em relação a dois anos. Entre Blue Zone e Agrizone, o lobby conseguiu manter o tema do desmatamento praticamente intocado. Ignorando os dados científicos, o setor segue avançando sobre a Amazônia para expansão da pecuária, da produção de ração e, no sudeste do Pará, com extensas monoculturas de clones de eucalipto, que não exercem as funções climáticas das florestas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *