O artista Caio Ananias, filho de família nordestina, crescido entre as memórias do semiárido pernambucano e a aridez da periferia de São Paulo, traz para a gente um chamado urgente: é hora de recaatingar o sertão.
A Caatinga é terra de jurema, umbu, caju, mangaba, pitomba, mandacaru, é céu de asa-branca e de ararinha-azul, é caminho de mocó, veado-catingueiro e sapo-cururu. São tantas espécies, algumas até invisíveis aos nossos olhos, que as palavras não dão conta.
Único bioma exclusivamente brasileiro, ocupa quase 11% do país. Guarda uma biodiversidade que aprendeu, ao longo de milhares de anos, a viver sob o sol forte e o vento que sopra mas não refresca. São florestas de árvores e arbustos que perdem as folhas na seca para economizar água, e onde grande parte das plantas está adaptada a sobreviver com pouquíssima umidade, guardando água em raízes, caules ou folhas espessas. Nesse território, a vida se sustentou por séculos pela relação íntima entre a paisagem e a confluência de povos indígenas e comunidades afrodescendentes. A alegria não se esgotava porque espécies e povos reconheciam e respeitavam seu território.
Mas esse conhecimento ancestral e o ritmo cíclico da vida foram atropelados. As últimas décadas foram marcadas pela invasão de um modelo de desenvolvimento que desconsidera a ecologia local. O avanço da monocultura, do agronegócio e do desmatamento para pastagem ignorou a inteligência das plantas e a sabedoria do povo, empurrando o sertão para a desertificação. Onde antes havia abundância compartilhada, o agronegócio cria deserto.
Segundo o Instituto Escolhas, combater a desertificação com projetos biodiversos e conduzidos por comunidades locais pode produzir 7milhões de toneladas de alimentos para a região e capturar mais de 700 milhões de toneladas de CO₂. Para viabilizar e apoiar essa recuperação, está em tramitação o PL 1990/2024, que prevê a criação do Fundo da Caatinga para financiar projetos dos povos do território. Mas será que esse Congresso sabe votar sem ser pressionado?
Recaatingar é isso: permitir que o bioma volte a oferecer o que ofereceu desde sempre. A Caatinga resiste. Agora nós é que precisamos aprender a resistir com ela.
