Cosme e Damião

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É preciso festejar desde cedo e cultivar a alegria. Prepare-se. No próximo sábado, 27 de setembro, é o dia de Cosme e Damião. Para muita gente é lembrança doce da infância, com saquinhos de balas, pipocas, brinquedos. Mas a origem é muito mais profunda, vem da tradição africana que atravessou o Atlântico nos corpos escravizados e floresceu aqui em resistência e celebração coletiva.

Cosme e Damião, na ancestralidade, são os gêmeos divinos ligados à esperança, à infância e à vida que se renova. Também à saúde e à cura. É a festa da abundância, em que todos saem de mãos e corações cheios. O alimento é oferecido a quem chega, lembrando que a alegria não pode ser acumulada, só ganha sentido quando é compartilhada.

A vida comunitária cultiva relacionamentos e compartilha trajetórias. A festa é também resistência: enraizada nos modos de vida e nos saberes coletivos que nos reconciliam com a natureza. Os vínculos entre seres de uma comunidade não se confundem com aglomerações das cidades, onde padronizados em linha se julgam diferentões. A cultura do dinheiro, do chamado des-envolvimento, arrasa os espaços onde o povo vivia envolvido. Ao reduzir tudo a recurso, abre caminho para a escassez e o vazio.   

Nas culturas ancestrais, a existência é uma rede em que humanos, rios, florestas e animais compartilham da Terra. Essa teia dissolve a lógica do acúmulo, recusa o pensamento que transforma a Terra em objeto e lembra que somos parte de um organismo vivo. A sabedoria afirma a abundância.

Essa herança nos ensina que a coletividade é força, que cuidar das crianças é cuidar do futuro, e que a biodiversidade está em cada prato, nas folhas, nas sementes, nos temperos. A natureza é parte do sagrado. Cosme e Damião lembram que a vida floresce quando há diversidade, quando há comunhão entre humanos e a terra.

Num mundo marcado pela ganância e pelo individualismo, essa celebração traz uma lição necessária: ninguém se salva sozinho e ninguém é melhor que ninguém. É no encontro, na solidariedade e na partilha que se constrói um futuro. 

É primavera: tempo de esperançar, de semear juntos e transformar o mundo.

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