Avenida Liberdade, Belém

Para quem está fora de Belém: a Avenida da Liberdade é uma obra de 13 km vendida como solução para o trânsito. Planejada desde 2012, não nasceu com a COP30, mas ganhou fôlego com a conferência e aparece embalada como “legado” do evento. Que legado é esse?

A avenida derruba 68 hectares de floresta urbana, atravessa a Área de Proteção Ambiental Metropolitana de Belém e corta um corredor ecológico que conecta o verde da cidade ao Parque Estadual do Utinga, um dos principais refúgios de biodiversidade da capital. O resultado é fragmentação de habitats, alteração do microclima e risco à água que abastece Belém.

O impacto não para no verde. A estrada atravessa territórios de comunidades tradicionais: a Nossa Senhora dos Navegantes, localizada às margens do igarapé Santo Antônio, onde 120 famílias ribeirinhas podem ser removidas (https://abre.ai/denuncia-apublica). Também atinge o Quilombo Abacatal, onde vivem cerca de 600 pessoas há mais de 300 anos, e o Território Ancestral Murucutu Tupinambá, à margem do rio Guamá e do igarapé Murucutu (https://abre.ai/acaojudicial).

“Tem lixão de um lado, subestação de energia do outro. E agora a avenida. A sensação é de estar encurralada”, resume uma liderança local. Moradores já relatam queda na produção de açaí e pupunha e a invasão de animais expulsos pelo desmatamento. Nenhuma dessas comunidades foi devidamente consultada, como determina a Convenção 169 da OIT.

É aqui que entra o conceito de racismo climático: populações quilombolas, ribeirinhas e extrativistas arcam com os custos sociais e ambientais de uma obra que beneficia sobretudo empresas de logística e portos privados.

Ao mesmo tempo, a obra aprofunda a dívida ecológica: floresta derrubada, corredores ecológicos quebrados, risco para mananciais de água e modos de vida ameaçados. Uma conta que recai sobre quem menos polui e mais protege, enquanto governos e negócios aceleram o lucro.

Pesquisadores alertam: em vez de aliviar o trânsito, a avenida consolida um modelo de cidade rodoviarista que repete velhos erros. O verdadeiro legado seria proteger o Utinga e a água que abastece Belém, garantir consulta e direitos às comunidades e investir em transporte público e rios vivos.

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