
Nêgo Bispo nos convida a enxergar com o olhar comunitário. Da visão quilombola, ele ensinava que é preciso se reconhecer como parte de uma comunidade maior e ouvir a vida que fala ao redor. Pássaros anunciam a chuva, plantas florescem nos quintais, o vento sopra caminhos, as águas convidam a entrar. Na vila, vizinhos compartilham sementes, crianças correm entre as casas, idosos contam histórias, cada gesto somando-se à vida comum. Quando escutamos com atenção, percebemos quantas vozes nos cercam. “A comunidade se faz com os diversos”, dizia.

Mas as cidades nos afastaram dessa escuta. “A cidade não me cabe. Os povos da cidade precisam acumular: acumular dinheiro, acumular coisas. A cosmofobia é responsável por esse sistema cruel de armazenamento e desconexão. As pessoas acumulam mais do que o necessário, e o tempo passa. Na cidade grande, só tem valor o que vira mercadoria.”

Enquanto o povo da cidade buscava se sentir importante, Bispo se sentia necessário. “O povo da cidade tem relações de importância. No lugar onde nasci, temos uma relação orgânica com todas as vidas. Todas as vidas são necessárias.”

Sua profundidade também chegava à arte. Para ele, arte é conversa das almas, porque vai do indivíduo ao coletivo, pois é compartilhada. “Quando colocamos uma toada, compartilhamos essa toada e cada um segue com uma letra. É assim que fazemos. Ninguém sabe quem compôs as cantigas do Congado, não existe patente, todo mundo pode cantá-las. Todo mundo pode tocar as caixas do Congado nos ritmos e músicas que o povo compôs.”
Na sabedoria quilombola, só existe um porque existem muitos. A vida se sustenta no coletivo, na diversidade que conversa, canta e se reconhece. Contra a lógica da cosmofobia e do acúmulo, ele nos lembra: é no pertencimento à comunidade de todas as vidas que encontramos sentido.
