Tapajós em disputa

No coração da Amazônia querem impor um trilho de trem que corta quase mil quilômetros de floresta: a malfadada Ferrogrão. Não é apenas uma ferrovia. É a engrenagem de um corredor de destruição, que prevê a dragagem do Tapajós e a transformação do rio em hidrovia de cargueiros, com carga legal e ilegal. Tudo para empurrar a soja do Mato Grosso até os portos, como se a Amazônia fosse apenas um obstáculo a ser ultrapassado e não a casa de milhões de pessoas e de uma biodiversidade única no planeta.

O que está em jogo não é transporte. É a vida. Esse megaprojeto atravessa Unidades de Conservação, ameaça Territórios Indígenas e ecossistemas inteiros. Para justificar a obra, o governo aceitou estudos encomendados pela própria empresa interessada em lucrar com a concessão. Ignoraram impactos cumulativos, o desmatamento induzido, o efeito de borda, a grilagem, a crise climática. Ignoraram também a lei: nenhuma consulta prévia foi feita às comunidades, como exige a Convenção 169 da OIT.

Em artigo científico recém-publicado na Revista Nera, a pesquisadora Gislaine Monfort explica que, assim como outros megaprojetos na Amazônia, a Ferrogrão carrega a lógica da “acumulação por espoliação”. Conceito popularizado pelo geógrafo David Harvey, descreve como o capitalismo avança roubando riquezas: privatiza terras e rios, expulsa populações, transfere recursos comuns para as mãos de poucos. É exatamente isso. Ao cortar territórios indígenas e Unidades de Conservação, a ferrovia abre caminho para a apropriação de terras, a grilagem e o desmatamento.

É também exemplo do “neoextrativismo”, que aposta na extração e exportação de matérias-primas em larga escala, sem agregar valor local. Resultado: concentra renda e deixa atrás impactos devastadores como a perda de floresta, de biodiversidade e destruição de modos de vida.

Os dados falam por si. Desde 1985, a Amazônia perdeu 53 milhões de hectares de floresta. No mesmo período, a pastagem saltou de 12 para 59 milhões de hectares. A soja, quase inexistente, já ocupa 6 milhões. A Ferrogrão só aprofunda essa destruição.

É um escândalo. Como o Brasil pode sediar a COP e falar em soluções enquanto empurra projetos de destruição na Amazônia?

Saiba mais:
“Trilhos da destruição”. Monfort, G et al: https://abre.ai/trilhosdadestruicao

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