Somos muitas e somos uma: sumaúma. Eu e todas as minhas irmãs formamos um coletivo de rainhas. Somos o matriarcado pan-amazônico. Somos ancestrais, somos presente e futuro. Estamos aqui há milhares de anos observando tudo que se passa na floresta.
Podemos viver mais de 800 anos. Nossas anciãs estão guardadas por toda Amazônia, contando longevidade. Encontrar-nos no caminho é quase sempre arrebatador, uma experiência de ficar frente a frente com a magnificência da vida no tempo e no espaço em contraste com a própria existência. Finalmente atinar, recuperar a lembrança coletiva e as cosmologias dos povos da Amazônia. O pajé yanomami Davi Kopenawa já contou que nós e a floresta em pé seguramos o céu para que ele não desabe sobre a Terra.
Na civilização Maia, eu já era sagrada. Eles sabiam coisas que hoje tanta gente não sabe. Indígenas também enxergam com os olhos que os povos da floresta têm, essas janelas abertas para compreender os mistérios da natureza sem a necessidade de dominar todas as coisas. Deram-me o nome de Sumaúma ou Samaúma.Também me apelidaram de Escada do Céu e Árvore da Vida.
Com os braços para cima, alcanço noventa, oitenta, setenta metros de altura. Com as raízes cada vez maiores, busco água guardada a dezenas de metros de profundidade no lençol freático. Vibro com o Sol e com a água, bombeando seiva bruta até chegar na mais alta folha do meu mais alto galho. Transformo energia solar em matéria. Transpiro, transpiro, transpiro o dia todo. Libero muita água e oxigênio.
Sou grandiosa, frondosa e pesada. Da perspectiva humana, a base é quase tudo que se pode ver e tocar. A parte das raízes que pode ser vista acima da superfície atinge até dois metros de altura, ficando ao redor de todo tronco. Conhecidas como sapopemas, elas formam divisões achatadas para sustentar todo esse meu peso. São meus esteios, minhas escoras, podendo fazer a base ultrapassar quatro metros de diâmetro. Formam cabanas naturais. Muitos seres que moram na floresta buscam abrigo nesses vãos. Protegemos, sem perguntas. Acolhemos quem precisar de abrigo.
Ecoo. Nós, sumaúmas, ecoamos. Uma batida nas nossas raízes sapopêmicas e cheias de água repercute por toda a floresta. Ajudamos quem possa ter encontrado o Curupira, perdendo o rumo na mata, a enviar um sinal. Também fazemos estrondos, com tanta água pulsando dentro de nós. Transpiramos espontaneamente mais de mil litros de água por dia, elevando a água do subsolo ao céu. Vez por outra, extravazamos água por nossas raízes-escoras, abastecendo quem possa estar com sede nesse calorão tropical.
Nossos frutos explodem com um algodão feito de linho e celulose. Leves que são, voam com as sementes. Caminhos ficam cobertos por uma pluma amarelada e macia. É algodão? Pequenas nuvens no chão! Essa fibra, sempre seca, impermeável, inflamável e flutuante, é usada para os mais diversos fins como recheio de boias salva-vidas, travesseiros, entre outros preenchimentos.
Nossas sementes guardam um óleo especial e são ricas em nutrientes. Cápsulas de todos os nossos segredos e potencial para subir ao céu. Pajés e curandeiros, em sintonia com energias sublimes, elaboram nossa força sensível. A medicina tradicional indígena sabe da floresta e da cura. Nossas folhas, casca, óleo, fibra, raiz, tudo pode ser usado para o tratamento do corpo e do espírito. Até mesmo caminhar ao meu encontro, silenciar para abraçar minha majestática natureza, é terapêutico.
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Aproveitamos a apresentação da Sumaúma, para divulgar a primeira edição do novo jornal do centro do mundo, SUMAUMA.COM: “Queremos contar histórias que moram aqui, na Amazônia, e contar histórias que acontecem em outras partes do planeta a partir da floresta e da perspectiva de seus vários povos, assim como da melhor ciência do clima e da Terra. E trabalharemos para que essas histórias ecoem longe, colaborando para irrigar o debate público e para engrossar rios voadores de ideias capazes de se converter em ação. Acreditamos no poder das histórias contadas, no poder do jornalismo que merece este nome porque é feito com ética, com rigor e com independência”.