Quantas vezes já vimos o governo brasileiro na mesma encruzilhada: proteger comunidades ou liberar megaobras de alto impacto — como barragens e hidrelétricas, licenças para mineradoras, subsídios para o agronegócio que destrói nossa biodiversidade ou, agora, a anacrônica ideia de explorar petróleo na foz do Amazonas? O que faz com que o governo pareça sempre refém do mercado e do lucro a curto prazo? Essa é a lógica do Estado-Corporação, o filho mais inconsequente do neoliberalismo. Governos, no Brasil e no mundo, foram capturados por corporações e agora não conseguem planejar a transição energética, a proteção da biodiversidade e a justiça social, elementos essenciais para um futuro sustentável.
O professor Luiz Marques, da Unicamp, explica esse “híbrido político”: privatizações e parcerias público-privadas transformaram o Estado brasileiro e outros pelo mundo em sócios de multinacionais. Essa relação cria um conflito de interesses: ao contrariar empresas, o governo prejudica seus próprios ganhos imediatos. Isso enfraquece sua capacidade de priorizar as necessidades da população, focando mais no mercado global do que em saneamento, educação e saúde.
Sheldon Wolin, cientista político da Universidade de Princeton, introduziu o conceito de Estado-Corporação no livro “Democracy Incorporated” (2008). Ele analisou como as corporações capturaram democracias, transformando-as em sistemas onde as decisões públicas atendem ao mercado — exceto quando bancos quebram, não é?
Com o avanço das privatizações nos anos 1990, a participação popular perdeu espaço. Hoje, temos menos transparência e controle social. Na véspera da COP-30, discutir exploração de petróleo na Amazônia é um sintoma dessa crise. O dilema do governo é: proteger a floresta, vital para o equilíbrio climático, ou priorizar os lucros da Petrobras? Pela lógica do Estado-Corporação, a escolha recai sobre o lucro imediato, mesmo com o custo altíssimo a longo prazo.
Até quando vamos ignorar a política e permitir que o Estado se transforme em uma corporação? É hora de resgatar o poder local e tomarmos as rédeas do nosso futuro.
Saiba mais:
A terceira edição de ‘Capitalismo e colapso Ambiental’. O que mudou nos últimos 3 anos? – Jornal da Unicamp: https://abre.ai/lH44
Luiz Marquez: Capitalismo e Colapso Ambiental – Edição. 3ª ; Editora. Editora da Unicamp (2019): https://abre.ai/lH46