Compensação não compensa

“Árvores grandes prestam funções que não podem ser duplicadas por árvores jovens ou mudas. Eles fornecem um habitat único, influenciam fortemente a floresta ao seu redor e armazenam grandes quantidades de carbono”, diz Jim Lutz, pesquisador da Smithsonian Forest Global Earth Observatory que fez um estudo sobre a estrutura da floresta no mundo. A pesquisa revelou que, em média, 1% de árvores em florestas são maduras e antigas e justamente elas compreendem 50% da biomassa florestal do planeta. Além disso, o estudo mostra como a quantidade de carbono que as florestas podem sequestrar dependem principalmente da abundância de árvores grandes.

Outro dia, conversando com um “empreendedor social” que atua na Amazônia, ouvimos ele dizer: vamos fazer um projeto para distribuição e plantio de mudas para compensar as emissões e pronto. Ao longo dos últimos anos, essa cena (ou fala) se repetiu algumas vezes, mas agora tem se repetido com mais frequência. O pessoal arrecada dinheiro para “reflorestar”, faz mudas em massa, distribui sem controle e “pronto”. Não, nada está pronto.

Nenhuma compensação compensa. Isso é uma grande mentira. Ninguém pode substituir uma vida por outra. Plantar mudas e abandonar, ou só “fazer” centenas de mudas e distribuir sem controle e acompanhamento, não é reflorestar. É falso. Fingir equivalência de plantar mudas em uma área desmatada com uma floresta é uma chacota! Chega a ser ofensivo. Alguém aí consegue entender a ideia de equivalência entre um adulto saudável, bonito e produtivo por um bebê precisando de cuidados?

O mais inacreditável é ver supostos defensores da natureza aproveitando a maré para “vender” projetos de crédito, de REDD e por aí vai. Não caia em armadilhas. Planta jovem abandonada não vale o mesmo que uma floresta em pé. Não existe equivalência. Planta bebê ou jovem não substitui árvore antiga. Ou o projeto contempla todo o ciclo do reflorestamento que leva décadas, ou é mentira verde, projeto para inglês ver, projeto para captar dinheiro e fingir compensar outros crimes, nada mais.

Mais: esses projetos de compensações tem funcionado como alvarás para “compensar” danos causados. Deixa fulano desmatar toda essa área aqui porque ele comprou créditos para compensar lá longe. Não caia em lorota. Precisamos todos acordar enquanto é tempo e desmascarar essas falsas promessas e seus atores.

Alguns outros conhecimentos já adquiridos sobre preservação de florestas e áreas verdes:

1 – Proteger o que ainda existe é a ação mais importante para salvar nossos ecossistemas ameaçados.
2 – Projetos de reflorestamento devem envolver as comunidades locais, inclusive, prevendo a contratação de pessoal nativo. Além de guardar o conhecimento para recriar florestas semelhantes às naturais, essas pessoas estarão lá no dia a dia cuidando da área em recuperação.
3 – Projetos de reflorestamento devem atender a vários objetivos, desde proteção contra as mudanças climáticas, avanço da conservação, produção de alimentos, desenvolvimento da bioeconomia sustentável local, resgates culturais e fortalecimento do ecoturismo.
4 – As áreas recém-degradadas que antes guardavam uma floresta devem ser as primeiras a serem reflorestadas. Pesquise, mapeie e escolha o ponto ideal para começar o projeto.
5 – A restauração por sucessão ecológica de áreas degradadas visa recuperar um ecossistema até o ponto que a área tenha a capacidade de se sustentar e se auto-regenerar sozinha.
6 – Use sementes nativas de espécies do bioma em que vai atuar. Este é o momento certo para plantar. Em projetos de recuperação ambiental, a mistura de sementes nativas e de adubação verde tem a metade do custo do plantio de mudas.
7 – Florestas são ecossistemas de grande importância socioambiental com efeitos nos ciclos da água e do carbono e, portanto, no próprio clima. Recuperar áreas degradadas pode ajudar a restabelecer um ambiente amigável, saudável e cheio de vida.
8 – Planeje como obter sementes ou mudas trabalhando com a população local. Conheça os viveiros, feiras de mudas e de agricultores familiares e estabeleça uma rede para o projeto.
9 – Mãos na terra. Combine o conhecimento científico com o conhecimento tradicional.
10 – Projetos que dão certo são aqueles que fazem o reflorestamento valer a pena para todos, inclusive para as comunidades locais, que devem ser também reconhecidas, respeitadas e valorizadas como guardiães florestais e agentes ambientais.

Saiba mais:
“Inequality is normal: Dominance of the big trees” – EurekAlert! – 08/05/2018: https://goo.gl/L31rmd
Baixe o Glossário Ilustrado da Justiça Climática: https://bit.ly/GloJustClimPort
“Compensação ambiental não compensável” – Ricardo Cardim, Árvores de São Paulo: https://goo.gl/ff4uQz
“Preservação não deve considerar apenas árvores: análise da biodiversidade e serviços ambientais” – Ricardo Cardim, Árvores de São Paulo: https://goo.gl/RgiMW8
“O que são Serviços Ambientais” – O Eco: https://goo.gl/y6tWk9

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