STF derruba a “boa-fé” na compra de ouro ilegal

Terminou hoje o julgamento virtual para derrubar de vez a chamada “presunção de boa-fé” na compra e venda de ouro ilegal no país. Parece um detalhe na lei, mas foi esse mecanismo que abriu a porteira para o crime no mercado de ouro.

O Supremo Tribunal Federal (STF) passou a semana analisando as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7273 e ADI nº 7345, que contestam essa aberração jurídica que permitia que qualquer um chegasse com ouro e, com uma simples declaração por escrito, afirmasse que sua origem era legal. Isso estava no parágrafo 4º do artigo 39 da Lei nº 12.844/2013. Era preciso que pelo menos seis dos onze ministros votassem para eliminar essa brecha de vez. E hoje, no fim da tarde, seis ministros votaram pela inconstitucionalidade!

“Temos que comemorar. Com a decisão, o STF cancela definitivamente a validade do pressuposto da boa-fé, mecanismo que permitiu que toneladas de ouro ilegal fossem comercializadas no país e que os responsáveis ficassem impunes. O pressuposto da boa-fé criava uma situação de crime perfeito, pois o garimpeiro ilegal dizia que o ouro tinha origem lícita, e a empresa compradora fingia que acreditava. Era muito difícil responsabilizar os envolvidos, pois tudo era considerado como sendo feito de ‘boa-fé’”, afirma Larissa Rodrigues, diretora de Pesquisa do Instituto Escolhas.

Até 2022, quase metade da produção nacional de ouro apresentava indícios de ilegalidade. De acordo com estudos do Instituto Escolhas, estima-se que cerca de 200 toneladas de ouro foram extraídas entre 2015 e 2020. A exploração de ouro está diretamente ligada ao avanço do desmatamento e à contaminação dos rios da Amazônia por mercúrio, impactando de maneira irreversível a vida das populações indígenas e das comunidades ribeirinhas, como ocorre no Tapajós e nas Terras Indígenas Yanomami.

Em abril de 2023, o STF já havia concedido uma liminar suspendendo a validade dessa excrescência, proibindo que as Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs) comprassem ouro apenas com base na palavra do vendedor. Isso porque, até então, não era necessário apresentar documentos como permissão de lavra, licenciamento ambiental ou qualquer comprovação real da legalidade do ouro. Bastava uma “declaração”, e o metal entrava no mercado.

A partir dessa votação, as regras ficarão mais claras e rígidas:

1. Será necessário provar a origem legal do ouro para colocá-lo no mercado.

2. A Agência Nacional de Mineração (ANM) poderá monitorar e controlar cada lote comercializado.

3. Fica explicitamente proibida a comercialização de ouro proveniente de Unidades de Conservação e Terras Indígenas.

No portal do STF, é interessante destacar que esse julgamento tem relação com metas globais da Agenda 2030, especialmente nos seguintes Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS): Consumo e Produção Responsáveis (ODS 12), Ação contra a Mudança Global do Clima (ODS 13) e Proteção da Vida Terrestre (ODS 15).

Saiba mais:

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Detalhes do julgamento virtual da ADI 7273 (processo 6522631). Portal STF: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6522631.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Supremo suspende presunção de legalidade do ouro adquirido e a boa-fé. Portal STF, 5 abr. 2023: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=505163&ori=1

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 2159, de 2022. Altera disposições sobre o licenciamento ambiental e dá outras providências: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2201616&filename=PL+2159/2022

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