Ribeirinhos

Acordei no meio da noite
Porque o boto me chamou.
Rosnou à minha janela,
Oculto na bruma do rio,/
Mas eu o vi – um homem como eu.
Me descobri suando em bicas;
Tirei até a camisa.
Levantei da minha rede,
Saí nu pela janela.
A minha mulher roncava.
Seguindo os passos do boto,
Fui andando até o rio (Elizabeth BISHOP, 1990)

A paisagem conta histórias: a luz do sol, os peixes e outros seres aquáticos, as frutas e o açaí grosso com farinha, a pesca e a roça, as casas de madeira cobertas por palha, o brilho da lua, os barulhos dos bichos da noite, os espíritos da floresta, os curandeiros e sacacas, as plantas medicinais, a consciência coletiva popular que molda a narrativa, a estrutura identitária passada de geração em geração. São famílias que estão há séculos nas mesmas comunidades. Crianças, jovens, adultos e velhos usam o rio como rua e também como fonte de vida. O povo da floresta que conhece os poderes sobrenaturais da cobra-grande, do boto sedutor e de outros encantados ribeirinhos e indígenas.

Hoje, grandes cidades do mundo se deliciam com o guaraná, o açaí, as castanhas, as polpas de frutas, os óleos essenciais e as plantas medicinais do povo das florestas e dos rios. São mais de 3,5 milhões de ribeirinhos e quase 1 milhão de indígenas que sabem um conhecimento sobre as águas e seus caminhos, que guardam a cultura imaterial da amazônica, que protegem a floresta em pé.

A maioria dessas comunidades ainda não têm acesso a saneamento básico e a maioria de seus moradores vivem até hoje com geradores de energia a diesel, apesar da proximidade com hidrelétricas. O abandono público é tão grande que a maioria dos vilarejos ribeirinhos e aldeias até hoje não têm escolas de ensino médio ou postos de saúde. Não é raro que crianças façam trajetos longos por barco ou bicicleta até centros maiores para conseguirem estudar a partir do fundamental.

O Decreto nº 6.040/2007 instituiu uma política nacional voltada para as necessidades específicas do desenvolvimento socioambiental sustentável dessas comunidades, em projetos para a manutenção da floresta e de seus povos.

Saiba mais:


“Ribeirinhos” – Fundação Joaquim Nabuco, por Júlia Morim (Fundaj/Unesco): https://bit.ly/2MGcTM8
“Ribeirinhos e suas representações sociais”: https://goo.gl/bAwj3p

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *