Ailton Krenak e o futuro ancestral

Ailton Krenak tem nos mostrado muitas coisas. Suas palavras são cheias de generosidade e poesia. Seu livro mais recente, “Futuro Ancestral”, começa com uma saudação aos rios. Ele fala sobre e para todos os rios. Ao virar a primeira página, já estamos junto com ele em um fantástico passeio de canoa em águas ancestrais que nos sustentam, evaporam e choram:

“Esse nosso rio-avô, chamado pelos brancos de rio Doce, cujas águas correm a menos de um quilômetro do quintal da minha casa, canta. Nas noites silenciosas ouvimos sua voz e falamos com nosso rio-música. Gostamos de agradecê-lo, porque ele nos dá comida e essa água maravilhosa, amplia nossas visões de mundo e confere sentido à nossa existência. À noite, suas águas correm velozes e rumorosas, o sussurro delas desce pelas pedras e forma corredeiras que fazem música e, nessa hora, a pedra e a água nos implicam de maneira tão maravilhosa que nos permitem conjugar o nós: nós-rio, nós-montanhas, nós-terra. Nos sentimos tão profundamente imersos nesses seres que nos permitimos sair de nossos corpos, dessa mesmice da antropomorfia, e experimentar outras formas de existir. Por exemplo, ser água e viver essa incrível potência que ela tem de tomar diferentes caminhos.

Há mais de 2 mil anos, comunidades humanas já estabeleciam suas aldeias nas margens do Tapajós. E hoje nossos parentes Munduruku e Sateré Mawé seguem buscando defender o corpo desse rio dos aparatos de infraestrutura que o governo teima em implantar, além do assédio do garimpo, das madeireiras e outras violências.

Rios vivos.
Será que vamos matar todos os rios?
O que estamos fazendo ao sujar as águas que existem há 2 bilhões de anos é acabar com a nossa própria existência. Elas vão continuar existindo aqui na biosfera e, lentamente, vão se regenerar, pois os rios têm esse dom. Nós é que temos uma duração tão efêmera que vamos acabar secos, inimigos da água, embora tenhamos aprendido que 70% de nosso corpo é formado por água.

Vamos escutar a voz dos rios, pois eles falam. Sejamos água, em matéria e espírito, em nossa movência e capacidade de mudar de rumo, ou estaremos perdidos.”


Livros de Krenak:
Futuro Ancestral
A vida não é útil
O amanhã não está à venda
Ideias para adiar o fim do mundo
O sistema e o antissistema: Três ensaios, três mundos no mesmo mundo
Lugares de origem

1 comentário em “Ailton Krenak e o futuro ancestral”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *