
Na Amazônia, bebidas fermentadas ancestrais seguem vivas. Arqueólogos e biotecnólogos estudam a produção de chicha e cauim (fermentados de milho, amendoim ou cará), tarubá e caxiri (derivados da mandioca). Essas bebidas fazem parte de uma biotecnologia natural sofisticada que produz há milênios alimentos nutritivos, seguros e culturalmente importantes.
Sítios arqueológicos dos povos Juruna e Tupi-Guarani guardam vasos cerâmicos que teriam sido usados para armazenar esses fermentados consumidos em cerimônias, rituais de pajelanças e festividades nas aldeias. Mais do que alimentos, são parte de um conhecimento ancestral e espiritual que conecta os povos originários à terra, às estações e aos ciclos naturais da vida.
Aprendemos em química que a fermentação é um processo anaeróbico, ou seja, acontece sem oxigênio, o oposto da respiração celular aeróbica. Enquanto nossas células (e da maioria dos seres vivos) usam oxigênio pra quebrar a glicose e gerar energia de forma eficiente, os microrganismos da fermentação, como bactérias e leveduras, fazem isso sem precisar de oxigênio. Eles pegam o açúcar e transformam em energia, liberando álcool, ácidos e gás carbônico. Essa mágica bioquímica já existia muito antes de o oxigênio ser comum na atmosfera da Terra – e continua sendo essencial até hoje, tanto pra vida no planeta quanto pro nosso estômago e pros rituais sociais. Sem fermentação, não haveria pão, iogurte, queijo, picles, cerveja, vinho, hidromel, sidra… Nem mesmo a digestão dos ruminantes!
Os pessoal mais ligado a uma alimentação saudável não cansa de exaltar os fermentados e os efeitos na nossa saúde. Probióticos, eles são cheios de microrganismos bons para a flora intestinal e, também, fortalecem o sistema imunológico. A fermentação é um elo entre cultura e bem-estar.
Ao estudar os fermentados indígenas, arqueologia e bioquímica se unem para revelar não apenas a História Antiga do Brasil, mas também caminhos para o futuro. Esses saberes, que atravessaram séculos, seguem vivos e prontos para serem redescobertos e valorizados. Quer um gole de tarubá aí?
Saiba mais:
[Documentário] Série “Amazônia, Arqueologia da Floresta – História Antiga do Brasil”: Do tabaco e da cerveja. Organização do arqueólogo Eduardo Góes Neves. Direção Tatiana Toffoli | Elástica Filmes, SescTV. 2022: https://abre.ai/l0RQ
LIMA, Tânia Stolze. A parte do cauim: etnografia Juruna. Rio de Janeiro: Museu Nacional-PPGAS, 1995. https://abre.ai/l0RS
WATLING, Jennifer et al. Sabores Arqueológicos. Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. https://abre.ai/l0RU
ALMEIDA, Fernando Ozorio de. A arqueologia dos fermentados: a etílica história dos Tupi-Guarani. Estudos avançados, v. 29, n. 83, p. 87-118, 2015. https://doi.org/10.1590/S0103-40142015000100006
RAMOS, C. “Microbiota da bebida fermentada de arroz com amendoim produzida pelos indígenas brasileiros” – Universidade Federal de Lavras, 2009. https://abre.ai/l0RG